A
respeito do Barroco, afirma Ernesto Sena em artigo sugerido como leitura
teórica:
Assim, o
discurso sacro deixaria de ter esse predicativo caso se autonomizasse O uso de
metáforas e desdobramentos de metáforas, a atribuição de conceitos, as
analogias, assim como as perguntas e respostas, eram características da maioria
dos discursos oratórios (SENA, 2023:14).
Releia
o Sermão de Santo Antônio, de Padre Antonio Vieira, texto literário estudado
nesta unidade. Considerando as duas obras supracitadas, elabore um texto dissertativo
de, no mínimo, 30 linhas sobre o discurso sacro no referido Sermão de Vieira,
respondendo à questão:
-Por que Vieira é considerado um escritor barroco?
O Barroco foi um movimento artístico e cultural que se desenvolveu na Europa entre os séculos XVI e XVIII, predominando principalmente nas artes visuais, na arquitetura e na literatura. Esse período foi marcado por uma profunda influência da Igreja Católica, que buscava reafirmar sua autoridade após a expansão do Protestantismo. Esteticamente, o Barroco se caracterizava por uma linguagem extravagante, ornamental e carregada de simbolismo religioso. Nas artes plásticas, observa-se o uso de técnicas como o trompe-l'oeil (ilusão de ótica), a perspectiva acentuada e as formas dinâmicas e assimétricas. Já na arquitetura, destacam-se as fachadas suntuosas, as cúpulas imponentes e a decoração exuberante.
Na literatura, os autores barrocos também exploravam uma
linguagem altamente elaborada, com abundância de metáforas, paradoxos,
antíteses e jogos de palavras. Essa tendência à embelezamento e ao virtuosismo
verbal tinha como objetivo não apenas impressionar o público, mas também
transmitir uma visão de mundo marcada pelo conflito entre as paixões humanas e
a aspiração ao divino. Nesse contexto, a obra do Padre Antônio Vieira,
especialmente o seu Sermão de Santo Antônio aos Peixes, é reconhecida como um
exemplo paradigmático do Barroco literário português. Vejamos, então, como as
características dessa corrente estética se manifestam nesse importante texto.
Padre Antônio Vieira é considerado um escritor barroco devido às características marcantes em seu Sermão de Santo Antônio aos Peixes que refletem os princípios estéticos do Barroco. Conforme apontado por Ernesto Sena, o discurso sacro barroco se caracteriza pelo "uso de metáforas e desdobramentos de metáforas, a atribuição de conceitos, as analogias, assim como as perguntas e respostas" (SENA, 2023:14). Essas mesmas características podem ser claramente identificadas no sermão de Vieira.
Desde o início do texto, Vieira emprega uma linguagem altamente figurativa e metafórica, comparando Santo Antônio a diferentes elementos da natureza, como um "cedro do Líbano", um "cipreste de Sião" e uma "palma de Cades" (VIEIRA, 2023:23). Essa profusão de imagens e analogias é uma marca fundamental do estilo barroco, que buscava impressionar e persuadir o público através de uma linguagem rebuscada e ornamental.
Além disso, Vieira constantemente lança mão de perguntas retóricas e diálogos imaginários, criando uma dinâmica interativa e questionadora em seu sermão. Passagens como "Quem é este Antônio?" e "Que quer dizer este nome de Antônio?" (VIEIRA, 2023:24) são exemplos dessa característica barroca de interpelação do leitor/ouvinte.
Outro aspecto barroco evidente no texto é a atribuição de conceitos complexos e abstratos a Santo Antônio, como quando Vieira o denomina "príncipe da Igreja", "sol da Religião" e "tesoureiro do céu" (VIEIRA, 2023:26-27). Essa tendência de elevar e enaltecer o sagrado por meio de um vocabulário rebuscado e erudito é outra marca significativa do Barroco.
Portanto, a profusão de metáforas, analogias, perguntas
retóricas e conceitos elaborados presentes no
Sermão de Santo Antônio aos Peixes
de Vieira demonstram claramente as características do estilo barroco.
Através de sua habilidade em incorporar essas características em seu discurso
sacro, Vieira se consagra como um dos principais representantes dessa corrente
literária em Portugal. Seu trabalho não apenas exemplifica a estética barroca,
mas também ilumina a complexa interação entre fé, moralidade e crítica social,
refletindo o espírito de seu tempo de forma magistral.
"Se a Igreja
quer que preguemos de Santo Antônio sobre o Evangelho, dê-nos outro. Vos estis
sal terrae: É muito bom texto para os outros santos doutores; mas para Santo
Antônio vem-lhe muito curto. Os outros santos doutores da Igreja foram sal da
terra; Santo Antônio foi sal da terra e foi sal do mar. Este é o assunto que eu
tinha para tomar hoje. Mas há muitos dias que tenho metido no pensamento que,
nas festas dos santos, é melhor pregar como eles, que pregar deles. Quanto mais
que o são da minha doutrina, qualquer que ele seja tem tido nesta terra uma
fortuna tão parecida à de Santo Antônio em Arimino, que é força segui-la em
tudo. Muitas vezes vos tenho pregado nesta igreja, e noutras, de manhã e de
tarde, de dia e de noite, sempre com doutrina muito clara, muito sólida, muito
verdadeira, e a que mais necessária e importante é a esta terra para emenda e
reforma dos vícios que a corrompem. O fruto que tenho colhido desta doutrina, e
se a terra tem tomado o sal, ou se tem tomado dele, vós o sabeis e eu por vós o
sinto" (CAPÍTULO
I, pág. 3)
Neste trecho do Sermão de Santo Antônio aos Peixes de Padre Antônio Vieira,
podemos identificar diversas características típicas do estilo barroco, que
fundamentam a consagração de Vieira como um dos expoentes dessa corrente
literária em Portugal.
Em primeiro lugar, destaca-se a abordagem
metafórica e simbólica empregada por Vieira ao se referir a Santo Antônio. Ao
afirmar que "Santo Antônio foi sal da terra e foi sal do mar", o
pregador recorre a uma metáfora bíblica ("Vós sois o sal da terra")
para elevar a figura do santo, atribuindo-lhe características de universalidade
e abrangência. Esse uso virtuosístico da linguagem, com a exploração de imagens
elaboradas e simbólicas, é uma marca fundamental do Barroco, que buscava
impressionar e persuadir o público por meio de uma retórica rebuscada e
ornamental.
Outro aspecto barroco evidente no trecho é a
estrutura retórica empregada por Vieira. Podemos observar a presença de
perguntas retóricas ("Se a Igreja quer que preguemos de Santo Antônio
sobre o Evangelho, dê-nos outro?"), bem como a alternância entre afirmações
e questionamentos, criando um discurso dinâmico e envolvente. Além disso,
Vieira recorre a contrastes e antíteses, como ao destacar que "os outros
santos doutores da Igreja foram sal da terra; Santo Antônio foi sal da terra e
foi sal do mar". Essa construção paradoxal é típica do Barroco e visa
evidenciar a singularidade e a superioridade de Santo Antônio em relação aos
demais santos.
Por fim, a menção à "doutrina muito clara,
muito sólida, muito verdadeira" e ao "fruto" que Vieira tem
"colhido desta doutrina" revela uma preocupação com a eficácia
persuasiva do discurso, outra característica fundamental do Barroco, que
buscava não apenas impressionar, mas também convencer o público. Portanto,
neste trecho do Sermão de Santo Antônio
aos Peixes, Vieira mobiliza diversos recursos estilísticos e retóricos
típicos do Barroco, como o uso de metáforas elaboradas, a estrutura dialogada,
os contrastes e paradoxos, e a ênfase na dimensão persuasiva do discurso. Tais
aspectos justificam plenamente a consagração de Padre Antônio Vieira como um
dos principais representantes do Barroco na literatura portuguesa.
Uma intertextualidade interessante a ser explorada
seria comparar o Sermão de Santo
Antônio aos Peixes de Padre Antônio Vieira com as Cartas da Freira Mariana Alcoforado,
outro importante texto barroco da literatura portuguesa. As Cartas da Freira Alcoforado são um
conjunto de missivas apaixonadas escritas por uma freira do século XVII,
retratando sua relação amorosa com um oficial francês. Assim como no sermão de
Vieira, a linguagem empregada nessas cartas é altamente elaborada, repleta de
metáforas, jogos de palavras e recursos retóricos típicos do Barroco.
Um ponto de convergência interessante entre as
obras seria a maneira como ambas lidam com a temática do amor e da
espiritualidade. Enquanto Vieira aborda essas questões no contexto da pregação
religiosa, Mariana Alcoforado as explora a partir da perspectiva da angústia e
do sofrimento amoroso de uma freira. No entanto, em ambos os casos, observa-se
uma forte linguagem simbólica e a presença de uma visão paradoxal da condição
humana, tão cara ao Barroco.
Outra possibilidade de análise seria comparar os
recursos estilísticos empregados pelos dois autores. Tanto Vieira quanto a
Freira Alcoforado recorrem a figuras de linguagem elaboradas, como metáforas,
antíteses e paradoxos, a fim de transmitir a complexidade de suas experiências
e promover o envolvimento emocional do leitor. Além disso, tanto no sermão
quanto nas cartas, é possível identificar uma estrutura retórica que se vale de
perguntas retóricas, digressões e contrastes, criando um discurso denso e
persuasivo, características marcantes do Barroco.
Padre Antônio Vieira é considerado um escritor
barroco porque ele incorpora as características centrais dessa estética em seus
textos, como a abundância de metáforas, perguntas retóricas, e a complexidade
conceitual. Seu Sermão de Santo Antônio aos Peixes exemplifica o uso virtuoso
da linguagem barroca, a estrutura retórica envolvente, e a riqueza simbólica
que são marcas registradas do Barroco. Ao explorar a intertextualidade com as
Cartas da Freira Mariana Alcoforado, fica ainda mais evidente como esses
recursos estilísticos e temáticos são compartilhados e distintivos dessa
corrente literária. Vieira não apenas impressiona, mas também convence e cativa
seu público, consolidando sua posição como um dos principais representantes do
Barroco na literatura portuguesa.
Referências
SENA,
Ernesto. O “Barroco” e os sermões vieirianos: algumas considerações sobre
anacronismos e o fazer história. Disponível em O “Barroco” e os sermões vieirianos:
algumas considerações sobre anacronismos e o fazer história | Em Tempo de
Histórias (unb.br).
Acesso em 22/05/24.
VIEIRA,
A. Sermão de Santo Antônio (aos peixes). Disponível em Antônio Vieira
(Domínio Público) — Páginas Pessoais - UTFPR. Acesso em 20/05/24.
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