sábado, 14 de setembro de 2024


"Os Ecos da Cura"


A cura é como um campo vasto, onde três ecos habitam em constante discordância. De um lado, a criança interior, ainda tão pequena e frágil, estende as mãos vazias em busca de amor, clamando pelo abraço que faltou, pelas palavras doces que se perderam ao vento. Ela caminha pelos corredores da alma, entre sombras e esperanças, ansiando pelo toque suave que acalme seus medos antigos.

Do outro, o adolescente ferido ruge dentro de nós. Ele não busca ternura, nem perdão — em seus olhos arde o fogo da vingança, o desejo insaciável de devolver ao mundo as dores que um dia recebeu. Esse "eu" rebelde e inquieto quer gritar, rasgar o silêncio com a fúria de quem carrega cicatrizes que ainda ardem. Ele é o reflexo de todas as injustiças não ditas, de todas as batalhas que, mesmo vencidas, deixaram feridas abertas.

E, então, há o eu presente, que, cansado de tantas guerras internas, só quer paz. Ele observa, em silêncio, as tempestades que cada versão de si carrega. Compreende o anseio da criança e a revolta do adolescente, mas tudo o que deseja é um repouso tranquilo, um respiro profundo que o liberte desse turbilhão. Ele só quer caminhar em campos de serenidade, onde o passado não pese tanto e o futuro não amedronte.

A cura, porém, é teimosa. Ela não vem ao ritmo que desejamos, nem responde aos nossos caprichos. Ela pede que encontremos o equilíbrio entre esses três tempos: o amor que ficou para trás, a vingança que ainda pulsa no peito, e a paz que teimamos em buscar no presente. 

E assim seguimos, costurando essas partes dentro de nós, tentando, aos poucos, transformar a dor em compaixão, o rancor em aceitação, e a espera em esperança. A cura é, acima de tudo, um caminho — tortuoso, sim, mas sempre possível.

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