quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Âmbar

Havia uma alma em mim antes de você: cinza, imóvel, adormecida em ruínas.

E outra depois da tua chegada: trêmula, ferida, mas acesa como incêndio em cemitério.

Qual prefiro? A que se cala, ou a que sangra? Não sei. Só sei que ambas me pertence nenhuma me devolve paz.

Foram teus olhos que me arrastaram.

Não pela cor — âmbar indecifrável, ouro sujo de sombras.

Não pelo brilho — já apagado e triste.

Mas porque, através deles, aprendi a enxergar a vida como quem olha o mundo pela fenda de um abismo.

Tua presença foi faca e chama: acendeu esperanças e queimou meus abrigos.

Suas palavras diziam liberdade, mas teus gestos arrancavam os tijolos que eu levantei para sobreviver.

Procurei respostas e encontrei só mais labirintos.

A cada olhar, mais portas fechadas.

A cada silêncio, mais perguntas sem rosto.

Viver através das tuas janelas âmbar

é viver condenada ao fogo e ao frio.

É ser empurrada para a beira, e ainda assim desejar cair.

Se me perguntam qual alma escolho,

respondo: nenhuma.

A primeira morreu, a segunda apodrece.

O que resta é esse corpo, esse reflexo de areia movediça que se deixa devorar.

E, no fundo, talvez eu nunca tenha amado você —apenas amei o que teus olhos fizeram de mim: um vazio que finalmente aprendeu a ter forma.

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