Verbo & Verso – Palavras que sentem e fazem sentir.
Criado por Thamires Souza , Verbo&Verso é um espaço onde a poesia encontra.
Entre versos que sussurram emoções, contos que desenham vidas e trabalhos acadêmicos que provocam o pensamento, este blog é um convite para sentir, refletir e se perder na profundidade da escrita.
Sejam bem-vindos a este universo de palavras.
domingo, 30 de junho de 2024
Nas sendas do deserto
Somos pequenos grãos, perdidos na imensidão das dunas. Poeira leve, que ao vento dança e canta sua canção. Se cruzas meu caminho apressado, eu te ferirei. Cegarei teus olhos por um breve momento, um incômodo, talvez, mas suficiente para deixar uma marca.
Dizer para não alcançar os sonhos soa insano, mas há razão em preparar-se antes de correr ao deserto. Nesse vasto vazio, onde a solidão é companhia constante, pode-se perder em tempestades ou ser seduzido por miragens, ilusões passageiras que oferecem consolo efêmero.
Desviar-se do propósito, optando pelo prazer momentâneo, é deixar o objetivo escapar. É sentir o gosto amargo da derrota, ver o pódio inalcançável, sabendo que a escolha foi tua, a dor autoinfligida. E nessa dor, encontrarás a verdade: estamos aqui porque queremos, porque a busca é nossa essência, e cada ferida é um lembrete de que ainda estamos vivos, lutando contra a vastidão implacável do deserto.
"Sobre a Tirania do Tempo"
Desejo traçar letras sem temer o amanhã,
Mas juízes invisíveis espreitam em cada esquina.
O sábio de outrora cedeu seu trono a um tolo,
Que na periferia, ao colo materno, provou ser um erudito.
Não nos detenhamos em perdas passadas,
Elas não são o cerne do meu ser.
Desprezo os narcisos em seu reflexo vão,
Com a sombra da morte a espreitar meus dias efêmeros.
Por tempos ocultei um gigante por trás de um arbusto,
Ou, quem sabe,
Um sentimento velado por ira, tormento e mágoa.
O medo se entranha, sussurra no silêncio e nas entrelinhas.
Ainda busco o propósito da existência,
Se é para rir, chorar ou permanecer desamparado.
A vida, aos poucos, revela que entre tantas crueldades,
O amor reside nos menores gestos.
Se o espaço se esgotar, não buscarei consolo, mas novos mundos.
Rirei, vagando por um cosmos de cometas.
Testemunharei universos em seu dilema cósmico,
E estrelas nascendo, com fulgor que espelha teu olhar.
Tuas palavras me envolvem como o calor do núcleo planetário.
Talvez seja isso, és um astro a brilhar a léguas de poesia.
Cada verso constrói uma ponte para te alcançar,
Cada um narra como hei de te encantar, com a graça de um pássaro ao te encontrar.
Mas não me vejas como um sonhador perdido em ilusões.
Conheço a aspereza da realidade, sei que nem tudo é esplendor.
Conheço teus medos, tuas falhas e tuas dores.
Sei que não és perfeita, mas para mim, és a perfeição.
quinta-feira, 27 de junho de 2024
"Alvorecer da Alma"
No limiar entre ontem e amanhã, Eu, mulher de passado e de sonhos, Carrego nos ombros a sombra da memória, E no peito, a esperança de um novo alvorecer. O passado, um espectro que me assombra, Com risos e lágrimas, promessas desfeitas, Nas noites solitárias, ele sussurra, Segredos de uma vida que já não me pertence. O futuro, um véu que encobre o desconhecido, Um labirinto de caminhos não trilhados, O mistério que me atrai e me apavora, Onde se esconde o destino que tanto anseio. No presente, encontro a minha dádiva, O instante em que respiro e me pertenço, Entre o que fui e o que serei, sou agora, A mulher que se refaz e se reinventa. Sou feita de luz e de sombra, De sorrisos e lágrimas, de força e fragilidade, E nessa dualidade, me reconheço, A cada dia, um recomeço, uma nova verdade.
A
respeito do Barroco, afirma Ernesto Sena em artigo sugerido como leitura
teórica:
Assim, o
discurso sacro deixaria de ter esse predicativo caso se autonomizasse O uso de
metáforas e desdobramentos de metáforas, a atribuição de conceitos, as
analogias, assim como as perguntas e respostas, eram características da maioria
dos discursos oratórios (SENA, 2023:14).
Releia
o Sermão de Santo Antônio, de Padre Antonio Vieira, texto literário estudado
nesta unidade. Considerando as duas obras supracitadas, elabore um texto dissertativo
de, no mínimo, 30 linhas sobre o discurso sacro no referido Sermão de Vieira,
respondendo à questão:
-Por
que Vieira é considerado um escritor barroco?
O Barroco foi um movimento artístico e cultural que se
desenvolveu na Europa entre os séculos XVI e XVIII, predominando principalmente
nas artes visuais, na arquitetura e na literatura. Esse período foi marcado por
uma profunda influência da Igreja Católica, que buscava reafirmar sua
autoridade após a expansão do Protestantismo. Esteticamente, o Barroco se
caracterizava por uma linguagem extravagante, ornamental e carregada de
simbolismo religioso. Nas artes plásticas, observa-se o uso de técnicas como o
trompe-l'oeil (ilusão de ótica), a perspectiva acentuada e as formas dinâmicas
e assimétricas. Já na arquitetura, destacam-se as fachadas suntuosas, as
cúpulas imponentes e a decoração exuberante.
Na literatura, os autores barrocos também exploravam uma
linguagem altamente elaborada, com abundância de metáforas, paradoxos,
antíteses e jogos de palavras. Essa tendência à embelezamento e ao virtuosismo
verbal tinha como objetivo não apenas impressionar o público, mas também
transmitir uma visão de mundo marcada pelo conflito entre as paixões humanas e
a aspiração ao divino. Nesse contexto, a obra do Padre Antônio Vieira,
especialmente o seu Sermão de Santo Antônio aos Peixes, é reconhecida como um
exemplo paradigmático do Barroco literário português. Vejamos, então, como as
características dessa corrente estética se manifestam nesse importante texto.
Padre Antônio Vieira é considerado um escritor barroco devido às
características marcantes em seuSermão de Santo Antônio aos Peixesque refletem os princípios estéticos do Barroco. Conforme apontado por
Ernesto Sena, o discurso sacro barroco se caracteriza pelo "uso de
metáforas e desdobramentos de metáforas, a atribuição de conceitos, as
analogias, assim como as perguntas e respostas" (SENA, 2023:14). Essas
mesmas características podem ser claramente identificadas no sermão de Vieira.
Desde o início do texto, Vieira emprega uma linguagem altamente
figurativa e metafórica, comparando Santo Antônio a diferentes elementos da
natureza, como um "cedro do Líbano", um "cipreste de Sião"
e uma "palma de Cades" (VIEIRA, 2023:23). Essa profusão de imagens e
analogias é uma marca fundamental do estilo barroco, que buscava impressionar e
persuadir o público através de uma linguagem rebuscada e ornamental.
Além disso, Vieira constantemente lança mão de perguntas
retóricas e diálogos imaginários, criando uma dinâmica interativa e
questionadora em seu sermão. Passagens como "Quem é este Antônio?" e
"Que quer dizer este nome de Antônio?" (VIEIRA, 2023:24) são exemplos
dessa característica barroca de interpelação do leitor/ouvinte.
Outro aspecto barroco evidente no texto é a atribuição de
conceitos complexos e abstratos a Santo Antônio, como quando Vieira o denomina
"príncipe da Igreja", "sol da Religião" e "tesoureiro
do céu" (VIEIRA, 2023:26-27). Essa tendência de elevar e enaltecer o
sagrado por meio de um vocabulário rebuscado e erudito é outra marca
significativa do Barroco.
Portanto, a profusão de metáforas, analogias, perguntas
retóricas e conceitos elaborados presentes noSermão de Santo Antônio aos Peixesde Vieira demonstram claramente as características do estilo barroco.
Através de sua habilidade em incorporar essas características em seu discurso
sacro, Vieira se consagra como um dos principais representantes dessa corrente
literária em Portugal. Seu trabalho não apenas exemplifica a estética barroca,
mas também ilumina a complexa interação entre fé, moralidade e crítica social,
refletindo o espírito de seu tempo de forma magistral.
"Se a Igreja
quer que preguemos de Santo Antônio sobre o Evangelho, dê-nos outro. Vos estis
sal terrae: É muito bom texto para os outros santos doutores; mas para Santo
Antônio vem-lhe muito curto. Os outros santos doutores da Igreja foram sal da
terra; Santo Antônio foi sal da terra e foi sal do mar. Este é o assunto que eu
tinha para tomar hoje. Mas há muitos dias que tenho metido no pensamento que,
nas festas dos santos, é melhor pregar como eles, que pregar deles. Quanto mais
que o são da minha doutrina, qualquer que ele seja tem tido nesta terra uma
fortuna tão parecida à de Santo Antônio em Arimino, que é força segui-la em
tudo. Muitas vezes vos tenho pregado nesta igreja, e noutras, de manhã e de
tarde, de dia e de noite, sempre com doutrina muito clara, muito sólida, muito
verdadeira, e a que mais necessária e importante é a esta terra para emenda e
reforma dos vícios que a corrompem. O fruto que tenho colhido desta doutrina, e
se a terra tem tomado o sal, ou se tem tomado dele, vós o sabeis e eu por vós o
sinto" (CAPÍTULO
I, pág. 3)
Neste trecho do Sermão de Santo Antônio aos Peixes de Padre Antônio Vieira,
podemos identificar diversas características típicas do estilo barroco, que
fundamentam a consagração de Vieira como um dos expoentes dessa corrente
literária em Portugal.
Em primeiro lugar, destaca-se a abordagem
metafórica e simbólica empregada por Vieira ao se referir a Santo Antônio. Ao
afirmar que "Santo Antônio foi sal da terra e foi sal do mar", o
pregador recorre a uma metáfora bíblica ("Vós sois o sal da terra")
para elevar a figura do santo, atribuindo-lhe características de universalidade
e abrangência. Esse uso virtuosístico da linguagem, com a exploração de imagens
elaboradas e simbólicas, é uma marca fundamental do Barroco, que buscava
impressionar e persuadir o público por meio de uma retórica rebuscada e
ornamental.
Outro aspecto barroco evidente no trecho é a
estrutura retórica empregada por Vieira. Podemos observar a presença de
perguntas retóricas ("Se a Igreja quer que preguemos de Santo Antônio
sobre o Evangelho, dê-nos outro?"), bem como a alternância entre afirmações
e questionamentos, criando um discurso dinâmico e envolvente. Além disso,
Vieira recorre a contrastes e antíteses, como ao destacar que "os outros
santos doutores da Igreja foram sal da terra; Santo Antônio foi sal da terra e
foi sal do mar". Essa construção paradoxal é típica do Barroco e visa
evidenciar a singularidade e a superioridade de Santo Antônio em relação aos
demais santos.
Por fim, a menção à "doutrina muito clara,
muito sólida, muito verdadeira" e ao "fruto" que Vieira tem
"colhido desta doutrina" revela uma preocupação com a eficácia
persuasiva do discurso, outra característica fundamental do Barroco, que
buscava não apenas impressionar, mas também convencer o público. Portanto,
neste trecho do Sermão de Santo Antônio
aos Peixes, Vieira mobiliza diversos recursos estilísticos e retóricos
típicos do Barroco, como o uso de metáforas elaboradas, a estrutura dialogada,
os contrastes e paradoxos, e a ênfase na dimensão persuasiva do discurso. Tais
aspectos justificam plenamente a consagração de Padre Antônio Vieira como um
dos principais representantes do Barroco na literatura portuguesa.
Uma intertextualidade interessante a ser explorada
seria comparar o Sermão de Santo
Antônio aos Peixes de Padre Antônio Vieira com as Cartas da Freira Mariana Alcoforado,
outro importante texto barroco da literatura portuguesa. As Cartas da Freira Alcoforado são um
conjunto de missivas apaixonadas escritas por uma freira do século XVII,
retratando sua relação amorosa com um oficial francês. Assim como no sermão de
Vieira, a linguagem empregada nessas cartas é altamente elaborada, repleta de
metáforas, jogos de palavras e recursos retóricos típicos do Barroco.
Um ponto de convergência interessante entre as
obras seria a maneira como ambas lidam com a temática do amor e da
espiritualidade. Enquanto Vieira aborda essas questões no contexto da pregação
religiosa, Mariana Alcoforado as explora a partir da perspectiva da angústia e
do sofrimento amoroso de uma freira. No entanto, em ambos os casos, observa-se
uma forte linguagem simbólica e a presença de uma visão paradoxal da condição
humana, tão cara ao Barroco.
Outra possibilidade de análise seria comparar os
recursos estilísticos empregados pelos dois autores. Tanto Vieira quanto a
Freira Alcoforado recorrem a figuras de linguagem elaboradas, como metáforas,
antíteses e paradoxos, a fim de transmitir a complexidade de suas experiências
e promover o envolvimento emocional do leitor. Além disso, tanto no sermão
quanto nas cartas, é possível identificar uma estrutura retórica que se vale de
perguntas retóricas, digressões e contrastes, criando um discurso denso e
persuasivo, características marcantes do Barroco.
Padre Antônio Vieira é considerado um escritor
barroco porque ele incorpora as características centrais dessa estética em seus
textos, como a abundância de metáforas, perguntas retóricas, e a complexidade
conceitual. Seu Sermão de Santo Antônio aos Peixes exemplifica o uso virtuoso
da linguagem barroca, a estrutura retórica envolvente, e a riqueza simbólica
que são marcas registradas do Barroco. Ao explorar a intertextualidade com as
Cartas da Freira Mariana Alcoforado, fica ainda mais evidente como esses
recursos estilísticos e temáticos são compartilhados e distintivos dessa
corrente literária. Vieira não apenas impressiona, mas também convence e cativa
seu público, consolidando sua posição como um dos principais representantes do
Barroco na literatura portuguesa.
No fundo, o lado mais difícil de um relacionamento é a intimidade. É quando
as máscaras caem, os segredos são revelados e as fraquezas expostas. Nessa
vulnerabilidade, nesse encontro sem defesas, deparamos-nos com o verdadeiro
desafio: amar e ser amado pelo que realmente somos, não pelo que mostramos ser.
É fácil se apaixonar pelas aparências, pelas primeiras impressões e pelas
versões cuidadosamente editadas de nós mesmos. Mas a verdadeira intimidade vai
além das superficialidades. Ela desbrava nossas sombras, desvenda nossas
cicatrizes e toca naqueles pontos que até nós mesmos evitamos.
É nessa profundidade que o amor verdadeiro se constrói. Quando aceitamos o
outro com todas as suas imperfeições e somos aceitos da mesma forma, sem
reservas. Esse é o caminho mais belo e mais árduo do amor, onde cada olhar e
cada gesto se tornam um ato de coragem e sinceridade.
Nas entrelinhas dos dias, onde a rotina escreve sua prosa sem pretensão, a
intimidade se revela como um livro aberto. Cada página é um capítulo de
vulnerabilidades partilhadas, onde os medos sussurram suas histórias e os
sonhos desenham esperanças tímidas. Nesse enredo sem máscaras, o amor se
desnuda, despido de artifícios, e nos convida a sermos quem realmente somos,
sem roteiros pré-definidos.
A verdadeira beleza de um relacionamento reside nesse encontro corajoso com
o outro, onde as imperfeições não são ocultadas, mas celebradas. Cada cicatriz
é um verso, cada falha uma rima imperfeita que, no entanto, compõe a melodia
única do amor. No abraço silencioso da intimidade, encontramos a força para
sermos genuínos, para mostrarmos nossas sombras sem medo do julgamento.
É no toque sutil de mãos trêmulas, no olhar que desarma e na palavra que
acolhe, que o amor revela sua essência mais pura. Não há espaço para máscaras
ou disfarces, apenas a verdade nua e crua de quem somos. E nesse encontro,
descobrimos a beleza da aceitação mútua, do amor que não exige perfeição, mas
abraça a totalidade do ser.
Cada momento compartilhado é um ato de fé, uma entrega sem garantias, onde a
intimidade nos desafia a sermos corajosos e sinceros. E é nessa entrega que o
amor encontra seu terreno mais fértil, florescendo em meio às imperfeições e
criando raízes profundas que sustentam a relação.
Assim, seguimos, desbravando a profundidade de nossos corações, navegando
pelas águas turvas da vulnerabilidade, mas sempre com a certeza de que, na
intimidade, reside o verdadeiro tesouro do amor.
sábado, 22 de junho de 2024
"Versos de Um Garoto Aflito"
Num canto escuro, um garoto solitário,
Vislumbra o mundo com olhos cansados,
Em sua mente, uma visão conflitante,
Entre a alegria e o desejo de ser apagado.
Ele sonha com risos e felicidade,
Mas também com o silêncio da eternidade,
Um coração partido, dividido ao meio,
Entre o desejo de viver e de partir sem receio.
Nos campos da mente, ele vagueia perdido,
Em busca de um lugar onde se sinta acolhido,
Mas a sombra da tristeza o envolve em dor,
E o garoto com seu pudor.
Oh, garoto aflito, com sonhos tão diversos,
Que a vida e a morte dançam em teus versos,
Encontre a paz dentro de teu ser ferido,
E que a felicidade seja teu guia, teu sentido.
sábado, 15 de junho de 2024
DETALHES
Meu maior defeito é gostar de detalhes,
Por detalhes eu fico, por detalhes eu vou.
É no sussurro, no toque suave,
Que encontro a chama que me incendeia.
Cada olhar profundo, cada gesto sutil,
São fragmentos que compõem meu desejo.
É na curva do teu sorriso, na doçura do teu aroma,
Que me perco e me reencontro.
Nos detalhes do teu corpo, na textura da tua pele,
A vida, essa dançarina imprevisível, nos leva em um
turbilhão de passos incertos. Às vezes, tropeçamos, caímos, e a poeira da
frustração nos cobre. Olhamos para trás e vemos um rastro de escolhas erradas,
de oportunidades perdidas, de sonhos desfeitos. É fácil, nesse momento, sentir
que a vida nos conduz para um destino cruel, traçado por mãos invisíveis que
nos manipulam.
Mas a verdade é que, mesmo em meio aos escombros
daquilo que deu errado, existe uma chama acesa dentro de nós: a vontade de
escolher, de definir nosso próprio caminho. É a força que nos impulsiona a
levantar, a sacudir a poeira e olhar para frente. É a decisão de não sermos
reféns do passado, de não nos deixarmos moldar pelas cicatrizes que carregamos.
Cada um de nós tem a capacidade de escolher o ritmo
da nossa dança, de definir os passos que queremos dar. A vida pode nos
apresentar desafios, nos jogar obstáculos, mas cabe a nós escolher como reagir,
como superar.
Eu, por exemplo, carrego as marcas de uma jornada
tortuosa. Escolhas equivocadas, momentos de fraqueza, erros que me deixaram com
o coração em pedaços. Mas, em meio à dor, descobri um caminho diferente, um
caminho que me levava de volta para mim mesmo.
Abracei a bondade, mesmo que ela parecesse um fardo
pesado demais para carregar. Abracei a força que me impulsionava a seguir em
frente, mesmo que ela estivesse em frangalhos. Escolhi, com todas as minhas
forças, ser o maestro da minha própria história, mesmo que a partitura
estivesse rabiscada e cheia de notas desafinadas.
A vida não nos entrega um manual de instruções, não
nos diz o que fazer ou como ser. Mas nos dá a liberdade de escolher. De
escolher a compaixão em vez do ódio, a esperança em vez do desespero, a luz em
vez da escuridão.
Somos seres em constante transformação, em constante
movimento. E, no palco da vida, cabe a cada um de nós escolher o papel que
queremos interpretar. Podemos escolher ser vítimas das circunstâncias ou
protagonistas da nossa própria história. Podemos escolher ser definidos pelas
nossas feridas ou sermos moldados pela nossa capacidade de superação.
A escolha é nossa. E a dança do destino, meu amigo,
só tem um ritmo: o que decidimos dar a ela.
Sinfonia do desejo
O gosto delicioso e embriagante do teu corpo é o mais
doce que conheço,
Tão doce e afetuoso quanto o toque ardente de teus lábios
sobre a minha pele. É algo que me atrai e me enlouquece de desejo,
És a melhor recompensa que já provei.
Tu és como uma melodia hipnótica que me eleva ao êxtase,
Preenchendo meu corpo todo de anseio e paixão,
Inspirando meu espírito a gemer em prazer,
E me fazendo sentir viva, pulsante e completa.
Tu és meu refúgio seguro, meu lar, minha morada de
delícias,
Me fazes sentir que tudo vai dar certo, que nada mais
importa. És a melhor companhia, a mais cativante,
O sabor mais delicioso e irresistível que já conheci.
Teu corpo é a minha morada, tua pele é meu néctar,
Tuas carícias são a minha fonte de êxtase. Quero me
perder em ti, me fundir contigo,
Deixar-me levar pela correnteza de nosso desejo.
By Thamires Santos Souza
segunda-feira, 3 de junho de 2024
ESCOLHA E DESTINO
De todas as coisas que deram errado na minha vida,
Eu dei certo!
De todos os motivos que eu tive para ser uma péssima pessoa,
Eu escolhi a bondade!
Minha força não foi uma escolha voluntária.
Sou um ser humano quebrado por dentro.
Mas meu coração leva bons sentimentos e intenções.
A minha história me ensinou que não controlamos nosso passado,
Uma visão sobre
o trovadorismo e analise de cantiga
O trovadorismo, movimento
literário que floresceu na Europa medieval na Idade Média que reverbera a
riqueza cultural e artística desse período. Portugal também foi palco de
intensa atividade literária e cultural suas cantigas líricas e satíricas
permeadas de sentimentos amorosos e corteses, revelavam a sensibilidade e a
criatividade dos trovadores. Em meio ao contexto feudal e teocêntrico, as
cantigas trovadorescas em terras portuguesas refletiam não apenas os valores
cristões predominantes, mais também a influência árabe, na Península Ibérica.
Assim a produção literária trovadoresca em Portugal se destacou pela fusão de
diferentes influencias culturais que perdurou ao longo dos séculos.
A perspectiva de Cid Seixas sobre a
poesia trovadoresca galego-portuguesa oferece uma visão crítica desta tradição
literária, considerando o seu significado histórico e cultural. Seixas conheceu de perto as complexidades e
nuances das cantigas de amor, de amigos, de escárnio e de maldizer, buscando compreender
as variações e influências presentes nessa produção literária.
“As cantigas de amigo,
que constituem o mais rico material poético da nossa tradição, são de origem
popular. E esta forma galega de um homem compor uma cantiga para expressar o
sentimento de uma mulher, como se fosse a própria mulher quem fala, é uma
correspondente hispânica de um tipo de composição trazida pelos árabes”.
(Seixas,1999 p. 28)
Uma das formas de Seixas oferecer uma
visão crítica da poesia trovadoresca foi através da análise das diferentes
formas de cantigas. Os seus trabalhos demonstram uma compreensão dos contextos
sociais e culturais em que estas formas foram criadas e como foram usadas para
expressar diferentes emoções e experiências. Por exemplo, a sua análise das
cantigas de escárnio e de maldizer, de carácter crítico, evidencia o uso
sofisticado da ironia e da sátira para comentar questões contemporâneas. O
trabalho de Seixas oferece uma compreensão crítica do papel da poesia trovadoresca
na formação da paisagem cultural e literária de Portugal medieval e da Galiza.
Ao examinar os elementos formais e temáticos presentes nesta tradição poética,
revela a intrincada relação entre música e poesia e a forma como estas formas
se influenciaram mutuamente ao longo do tempo. Demonstram também como a poesia
trovadoresca contribuiu para o desenvolvimento da língua galego-portuguesa, que
tem tido uma influência duradoura nos descendentes linguísticos desta região.
Através da análise das diferentes formas de cantigas e do seu significado
cultural, o autor proporciona uma compreensão mais profunda das complexidades e
nuances desta tradição poética, demonstrando como ela continua a informar e a
inspirar tanto os poetas como os académicos contemporâneos.
Já Carlos Castilho Pais foi de fato, um
indivíduo multifacetado e talentoso. Sua contribuição para a literatura e a
cultura é notável. A “Arte Poética” é uma obra que merece atenção, pois
mergulha nas profundezas da criação artística e da poesia.
“Quem
tente a procura do essencial no escrever do poema responde a duas questões prementes.
São elas: a natureza específica do discurso a que chamamos 'poesia' e o modo
pelo qual esse discurso é encarado na atualidade.” (Castilho,2021, p.69)
Através de reflexões cuidadosas,
Castilho explora os elementos essenciais da poesia, como a precisão das
observações e o alcance das propostas. A variedade de opções interpretativas é
uma característica fascinante da poesia, e o autor nos convida a explorar esse
universo.
A concisão do estilo de escrita de
Castilho permite que suas análises penetrem no cerne da arte poética. Ao ler
“Arte Poética”, somos convidados a refletir sobre a linguagem, as imagens e as
emoções que permeiam a poesia. É uma jornada enriquecedora para todos aqueles
que apreciam a beleza das palavras e a profundidade da expressão literária.
“Arte Poética” é uma obra que nos inspira a olhar além das palavras e a
descobrir a magia que reside na criação poética. É um convite para explorar o
mundo interior e a conexão entre a linguagem e a alma humana.
Partindo
para análise da cantiga “João Airas de Santiago”:
Trata-se de uma cantiga de amigo de João
Airas de Santiago, trovador galego-português. O poema exprime a lealdade e o
amor do eu-lírico para com o seu amigo, numa linguagem e estrutura simples. Tem
uma métrica troque e alternada, e um esquema de rimas AAABBB. O refrão
"dizede-lhi que mente" é utilizado para realçar o tema da lealdade. O
poema exemplifica a tradição trovadoresca de utilizar a linguagem e as
experiências quotidianas para transmitir emoções fortes. Em comparação a
cantiga, “Ondas do mar de Vigo,”. A linguagem é simples, direta e
emocional, com o uso de exclamações que enfatizam a expressão de sentimentos. A
repetição da pergunta "e ai, Deus, se verrá cedo?" no final de cada
estrofe cria uma sensação de ansiedade e urgência.Ambas as cantigas do texto são exemplos da poesia
trovadoresca galego-portuguesa e demonstram a utilização da linguagem
quotidiana para transmitir emoções fortes. No entanto, existem diferenças entre
as duas. A cantiga de amigo de João Airas de Santiago exprime lealdade e amor
para com um amigo numa linguagem direta, enquanto "Ondas do mar de
Vigo" adopta uma abordagem metafórica, utilizando o imaginário das ondas
do mar para exprimir emoções de amor e saudade. Embora ambos os poemas utilizem
refrãos para dar ênfase, o esquema de rimas da cantiga de Santiago é AAABBB,
enquanto a cantiga anónima utiliza uma estrutura simples e exclamações
repetitivas para criar um impacto emocional. Geralmente, ambos os poemas são
exemplos significativos da tradição trovadoresca galego-portuguesa, com
abordagens únicas para transmitir emoções através da linguagem e da estrutura.
Cantiga "Amei-vos sempr', amigo, e
fiz-vos lealdade" de João Airas de Santiago, o conteúdo, gira em torno de
temas como o amor, a devoção, a lealdade e a calúnia. O eu-lírico exprime o seu
amor e lealdade inabaláveis para com o amigo, sublinhando a força da sua
ligação, apesar de quaisquer dúvidas ou rumores que possam ser espalhados por
outros. Também está confiante na sua
própria verdade, implicando que qualquer pessoa que questione o seu amor pelo
amigo está a mentir. A utilização do esquema de rimas acrescenta uma qualidade
musical ao poema, que é uma caraterística da cantiga de amigos. Em geral, reflete
a importância de ligações profundas e significativas entre indivíduos, bem como
o poder da confiança, lealdade e honestidade nas relações.
A trova “Amei-vos sempr’, amigo, e
fiz-vos lealdade” de João Airas de Santiago pode ser analisada, considerando o
contexto histórico e literário em que foi escrita, bem como a estrutura e o
estilo da cantiga. O discurso do poema gira em torno de temas como o amor, a
lealdade, a devoção e a defesa contra a difamação. O eu-lírico, que é feminina,
como é habitual nas trovas, declara o seu amor e lealdade inabaláveis ao amigo,
independentemente dos boatos e dúvidas que possam ser espalhados por terceiros.
Afirma também a sua própria honestidade
e pureza de intenções, sugerindo que quem questiona a sinceridade dos seus
sentimentos está a mentir. Este discurso é caracterizado pelo uso de uma
linguagem simples e repetitiva e por um tom direto e emotivo, que são
representativos. O discurso da cantiga
enfatiza a importância de ligações profundas e significativas entre indivíduos,
bem como o poder da confiança, lealdade e honestidade na promoção e manutenção
dessas ligações.
A trovas de Santiago, centra-se nos
temas do amor, da lealdade e da veracidade. O poema tem uma qualidade emotiva
poderosa, eu-lírico a exprimir o seu amor profundo e inabalável por um amigo e
o seu empenho em defender a sua honra contra quaisquer acusações caluniosas. A
repetição da frase "dizede-lhi que mente" enfatiza a força da
convicção da voz lírica e a sua vontade de defender o seu amigo. Além disso, apresenta
uma voz feminina e temas de amor e saudade, aumenta o impacto emocional do
poema.Cantiga de amigo "Amei-vos
sempr', amigo, e fiz-vos lealdade" é uma bela e comovente expressão de
amor, lealdade e verdade que continua a ter eco junto dos leitores de todas as
culturas e épocas.
Em suma, tradição trovadoresca
galaico-portuguesa produziu um rico corpus de poesia que celebrou a vida
emocional e cultural do período medieval. Através das cantigas de amigos e de
outras formas de poesia, trovadores expressaram o seu amor, lealdade e saudade
através de uma linguagem e estrutura simples. Estes poemas continuam a ser
exemplos significativos de uma tradição literária que ajudou a desenvolver as
línguas portuguesa e galega e moldou a identidade cultural da região.
Atualmente, podemos apreciar e aprender como estas trovas, que oferecem uma
visão única da riqueza emocional do período medieval e do poder duradouro das
emoções e experiências humanas.
Referências
PAIS, C.C. “Arte
poética” IN: Canto português. Lisboa: Ed. Gandaia, 2021 (p. 69-72). O
texto será disponibilizado para a turma em formato PDF, em 04/4/24.
SEIXAS, Cid.
“Introdução” à O TROVADORISMO. Parte I: Crítica e Apuração de Textos.
(p.15-21). Disponível em trovadorismo1.pdf (ufba.br). Acesso em
6/3/24. O texto será disponibilizado para a turma em formato PDF, em 04/4/24.
Desconstrução
de estereótipos na escrita feminina, através de leituras de autoras feministas,
até a música “Desconstruindo Amélia” da cantora/ compositora Pitty Leone.
Quando comecei a ler sobre a importância e a
relevância da escrita feminina, fiquei impressionada com o quão isso me tocou.
Como mulher, sei em primeira mão como pode ser difícil fazer com que a voz seja
ouvida e as opiniões valorizadas numa sociedade que muitas vezes reforça
estereótipos[2]
e limitações de gênero. Mas através da escrita, encontrei uma forma de
expressar autenticamente e desafiar as expectativas sociais que foram impostas.
Neste ensaio, vou aprofundar o impacto da escrita feminina
na quebra de padrões pré-estabelecidos e permitir que as mulheres encontrem as
suas vozes únicas através da expressão literária. Explorarei os clichês que
estão frequentemente presentes na escrita feminina e examinarei como as
escritoras estão a desafiar e a libertar-se dessas limitações. Acredito que, ao
fazê-lo, as escritoras são capazes de abrir a porta a uma maior diversidade na
escrita narrativa e na representação das mulheres.
Como exemplo, vamos analisar a música
"Desconstruindo Amélia" da cantora e compositora brasileira Pitty
Leone, juntamente com as obras literárias discutidas nas aulas ministradas pela
Professora Doutora Adriana Abreu e pela doutoranda Pollyana Lima. Através
dessas obras, vamos explorar como a quebra de concepções errôneas nas artes
pode abrir caminho para uma sociedade mais inclusiva e acolhedora.
Desconstrução
de estereótipos na escrita feminina
Com o uso da escrita, as mulheres têm a oportunidade
de desafiar e questionar os estereótipos de gênero[3] que
existem na sociedade. Elas podem explorar uma variedade de temas e
perspectivas, rompendo com as expectativas tradicionais e oferecendo narrativas
mais diversas e autênticas.
A escrita feminina pode abordar questões como
identidade, sexualidade, maternidade, relacionamentos e muito mais, de maneiras
que desafiam as normas culturais e sociais. Essa forma de expressão literária é
uma poderosa ferramenta para combater a desigualdade de gênero e promover a
igualdade, permitindo que as mulheres compartilhem suas histórias, experiências
e visões de mundo, ao desconstruir padrões na escrita feminina, as autoras
podem desafiar a ideia de que as mulheres devem se encaixar em determinados
papéis ou comportamentos predefinidos. Elas podem criar personagens femininas
complexas e multifacetadas, que não são restritas por concepções errôneas limitantes.
Além disso, a escrita feminina pode revelar as diversas vozes e perspectivas
das mulheres, contribuindo para uma representação mais justa e inclusiva na
literatura e na sociedade como um todo. Deste modo, a desconstrução de
estereótipos na escrita feminina é uma forma poderosa de empoderamento e
resistência, permitindo que as mulheres se expressem livremente e desafiem as
normas de gênero impostas pela sociedade.
A desconstrução de estereótipos culturais e
sociais na luta feminista: o papel da literatura e da música
A literatura feminina tem sido um meio de desafiar e
desconstruir generalizações culturais há séculos. Autoras habilidosas Bell
Hooks, Simone de Beauvoir, Marina Colasanti, Adriana Abreu, Virginia Wolf,
criaram personagens femininas complexas e multifacetadas, que desafiam as
expectativas do que uma mulher “deveria” ser. Essas representações ampliam o
olhar para o que significa ser mulher e colocam em cheque as noções convencionais
de gênero. Além disso, essas obras são importantes exemplos de como a escrita
pode ser uma ferramenta para a libertação das mulheres, permitindo que as
mulheres sejam representadas de forma autêntica e, assim, criarem novos modelos
e possibilidades no mundo
Ao longo da história, a produção artística literária
e a música foram predominantes nas mãos dos homens, o que resultou em uma falta
de representações femininas e em uma falta de vozes femininas na sociedade.
Isso se aplicava tanto à literatura quanto à música, onde as mulheres muitas
vezes eram invisíveis ou reduzidas a um papel secundário. No entanto, o
movimento feminista foi responsável por lutar pela desconstrução de concepções
errôneas de gênero e aumentar a presença das mulheres na produção artística.
Autoras como Simone de Beauvoir e Bell Hooks
desempenharam um papel fundamental nessa luta. Em "O Segundo Sexo",
Beauvoir questionou as noções tradicionais de gênero e argumentou que elas eram
baseadas em generalizações culturais e sociais que limitavam a liberdade e a
igualdade das mulheres. Embora Simone nunca tenha declarado explicitamente que
as suas obras se destinavam a fins feministas, ela é frequentemente associada à
filosofia feminista. Os seus escritos exploraram as formas como as mulheres têm
sido historicamente oprimidas e as estruturas sociais que contribuíram para a sua
subjugação. Defendia que o gênero não era uma caraterística natural, mas sim
uma identidade socialmente construída, e que os indivíduos deviam poder definir
as suas próprias identidades e papéis na sociedade. Além disso, Simone era uma
defensora dos direitos reprodutivos das mulheres e defendia a importância de as
mulheres terem controlo sobre os seus próprios corpos.
"Não se nasce mulher, mas
torna-se mulher" - Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo.
Em "Ensinando a Transgredir", Bell Hooks
criticou a educação tradicional e defendeu a importância da interseccionalidade
na luta pelo fim da opressão. Ambas defenderam a ideia de que a desconstrução
de concepções errôneas de gênero é essencial para alcançar a libertação
feminina e a construção de uma sociedade mais igualitária.
"O
primeiro passo para a criação de um mundo novo e melhor é desmantelar o sistema
cultural e económico em que vivemos e apontar as suas falhas" - Bell
Hooks, Teaching to Transgress.
No contexto da música, a presença das mulheres tem
crescido cada vez mais, o que tem sido um fator importante para a desconstrução
de preconceito de gênero. Pitty Leone é uma figura significativa neste sentido,
com sua música "Desconstruindo Amélia", ela desafia os preconceito de
gênero e inspira muitas mulheres a fazer o mesmo. Por meio de sua música, Pitty
oferece uma nova representação da mulher e uma mensagem poderosa de libertação
e igualdade.
A desconstrução de clichês culturais e sociais tem
sido um fator crucial para a luta feminista e para alcançar a igualdade de
gênero na sociedade. Desde a luta por representações mais autênticas na
literatura, ao aumento da presença feminina na música, essa luta tem trazido
importantes conquistas para a causa feminina. A música "Desconstruindo
Amélia" de Pitty Leone, é um exemplo poderoso de como as mulheres podem
lutar contra generalizações culturais e sociais.
Com o avento das próximas décadas e os estudos
discursivos nossa sociedade passa por um período de mudanças e isso que podemos
observar na canção “Descontruído Amélia”, onde as condições de produção já traz
para o texto discursos que aos poucos estão sendo debatidos em nossa sociedade,
pois a mulher já não mais aceita os padrões impostos a ela, assim ela vai em
busca da liberdade negada.
No ano de 1970, as Nações Unidas instituíram o dia 8
de março como o Dia Internacional da Mulher[5],
uma data para celebrar as conquistas dos movimentos feministas e reivindicar
igualdade de direitos para as mulheres em todas as esferas da vida. Com os
avanços na sociedade, a mulher deixou de se dedicar exclusivamente à família,
alcançando autonomia e empoderamento. No entanto com advento das causas
feministas a luta das mulheres está apenas começando pois há muito a se fazer
para equilibrar a rotina para que nós não sejamos sobrecarregadas.
“Como mulher, não tenho pátria. Como mulher, não
quero um país. Como mulher, o meu país é o mundo inteiro" - Virginia
Woolf.
A letra da compositora/cantora Pitty são atuais
manifestos; a cantora baiana sempre usou a música para questionar normas e
provocar o pensamento crítico e reflexões sobre temas como sexíssimo, machismo,
depressão e autoaceitação.
Na música “Desconstruindo Amélia”, Pitty procura
romper com o estereótipo da Amélia que era “mulher de verdade” de outros
tempos, pois está surgindo uma nova mulher do XXI, na letra ela conta a
história de uma mulher multitarefas, que mesmo estando sobrecarregada um dia
resolve “vira a mesa e assumir o jogo”, lutando pelo protagonismo da própria
vida.
Começando pelo título “desconstruindo Amélia”
referindo-se a uma desconstrução, ato de rompimento com padrões conservadores
estabelecidos, e que é necessário reconstruir a mulher para rompimento dos
padrões que são impostos socialmente a mulher.
Já
é tarde, tudo está certo
Cada
coisa posta em seu lugar
Filho
dorme, ela arruma o uniforme
Tudo
pronto pra quando despertar
A canção começa por descrever os tradicionais papéis
multitarefa[6]
das mulheres, como a personagem "Amélia", que está simbolicamente
ocupada com as tarefas domésticas. Apesar da hora do dia, continua a ter
tarefas a cumprir, assegurando que tudo está bem organizado para o bem-estar do
seu filho. A canção critica implicitamente a noção prevalecente de que as
tarefas domésticas são da responsabilidade exclusiva das mulheres, ignorando o
fardo esmagador que esta expetativa impõe às mulheres. Além disso, as mulheres
têm sido frequentemente obrigadas a conciliar as responsabilidades domésticas
com a sua vida profissional, perpetuando as desigualdades sistémicas e
limitando as oportunidades de atingirem o seu pleno potencial.
O
ensejo a fez tão prendada
Ela
foi educada pra cuidar e servir
De
costume, esquecia-se dela
Sempre
a última a sai
As alegações que tentam retira o empoderamento da
mulher [7]continua.
A autora critica a forma como as mulheres são moldadas para se enquadrarem num
papel de cuidadoras domésticas, com a expectativa de que devem primeiro
garantir que tudo na casa está organizado e limpo para satisfazer os outros.
Isto deixa-lhes pouco tempo para se concentrarem nas suas próprias
necessidades, sendo a mulher muitas vezes a última a preparar-se. Isto realça a
divisão desequilibrada e sexista do trabalho doméstico, resultando na
exploração do trabalho doméstico das mulheres.
Disfarça
e segue em frente
Todo
dia até cansar
E
eis que de repente ela resolve então mudar
Vira
a mesa, assume o jogo
Faz
questão de se cuidar
Neste ponto surgir Amélia moderna, libertando-se do conformismo
e colocando-se em primeiro lugar. Decide abandonar a sua identidade anterior de
cuidadora altruísta, rejeitando o papel subserviente da personagem "Amélia
sem vaidade" e, em vez disso, abraça uma identidade mais amorosa. Ao dar
prioridade às suas próprias necessidades e desejos, rejeita a noção de que o
seu valor está ligado ao cumprimento das expectativas sociais de feminilidade.
Nem
serva, nem objeto
Já
não quer ser o Outro
Hoje
ela é Um também
Os papéis de gênero são enfim quebrados, aqueles que
são atribuídos a nós mulheres. Nesse verso “Já não quer ser o outro, hoje ela é
‘Um’ também” faz referência a um conceito formulado por Simone de Beauvoir no
livro Segundo Sexo, no qual ela discorre sobre a posição da mulher na
sociedade, na posição de Outro do homem, sendo ela um ser humano incompleto
comparado ao homem e a partir do seu olhar. Porém logo que tornando-se “Um” a
mulher não é mais limitada aos papéis a ela atribuída por uma sociedade
patriarcal, machista e misógina, ela torna-se dona de si mesma.
A
despeito de tanto mestrado
Ganha
menos que o namorado
E
não entende o porquê
Tem
talento de equilibrista
Ela
é muitas, se você quer saber
Nesta estrofe da canção, a crítica é dirigida aos
salários persistentemente mais baixos pagos às mulheres em comparação com os
dos homens. Os movimentos feministas há muito que se debruçam sobre esta
questão, mas, apesar dos progressos, ainda há muito espaço para maiores
avanços. A canção também critica a tripla carga que as mulheres enfrentam, uma
vez que são frequentemente responsáveis por trabalhar fora de casa, cuidar das
suas famílias, gerir as tarefas domésticas, incluindo as compras de mercearia e
as limpezas, bem como arranjar tempo para si próprias. A letra chama a atenção
para o facto de que, mesmo com o progresso, ainda existem questões sociais
profundamente enraizadas que contribuem para o tratamento desigual das mulheres
em vários aspectos da vida.
Hoje
aos 30 é melhor que aos 18
Nem
Balzac poderia prever
Depois
do lar, do trabalho e dos filhos
Ainda
vai pra night ferver
Disfarça
e segue em frente
Recorrendo à intertextualidade, a compositora
comentam as transformações socioculturais vividas pelas mulheres nas últimas
décadas. Faz referência ao romance de Honoré Balzac "A Mulher de
Trinta"[8],
que discute como uma mulher com mais de 30 anos era considerada velha e já não
era desejável no século XIX. No entanto, a compositora argumenta que já não é
assim, uma vez que as mulheres na casa dos 30 anos têm atualmente tanta
vitalidade como quando tinham 18 anos. Isto realça a importância de desafiar os
papéis e expectativas tradicionais de gênero que muitas vezes limitam todo o
potencial das mulheres. Balzac escreveu no seu romance, "A divindade que
molda os nossos fins é feminina. Quando considero o vigor que anima o corpo de
uma mulher, a inteligência que ilumina a sua mente, o espírito que dirige as
suas ações, não consigo encontrar nada de masculino nela." Este excerto
sublinha a necessidade de reconhecer e valorizar as forças inerentes às
mulheres, em vez de as enquadrar em construções sociais limitadas.
Simone de Beauvoir escreveu, "Um homem nunca é
definido como um indivíduo de um determinado sexo; é evidente que é um homem.
Os termos 'masculino' e 'feminino' são usados simetricamente apenas como uma questão
de forma, como em documentos legais. Na realidade, a relação entre os dois
sexos não é exatamente como a de dois pólos eléctricos, pois o homem representa
tanto o positivo como o neutro, como o indica o uso comum de homem para
designar os seres humanos em geral; enquanto a mulher representa apenas o
negativo, definido por critérios limitativos, sem reciprocidade". Esta
ideia sublinha os preconceitos de gênero generalizados que ainda existem hoje
em dia e recorda-nos a necessidade permanente de lutar pela igualdade de gênero
e pela capacitação.
Do meu ponto de vista, o uso da intertextualidade é
uma forma influente de escritores e artistas comentarem a mudança de papéis e
expectativas das mulheres na nossa sociedade. Ao tecer referências a obras como
"A Mulher de Trinta", de Balzac, e "O Segundo Sexo", de
Simone de Beauvoir, recorda-nos os padrões e preconceitos de gênero que ainda
hoje existem. É importante reconhecer como estes padrões podem limitar o
potencial das mulheres e desafiar as normas tradicionais de gênero para
capacitar os indivíduos independentemente do seu gênero.
Acredito que a chave para alcançar a igualdade de gênero
reside no reconhecimento e na valorização das forças e do potencial inerentes a
todos os indivíduos, independentemente do seu gênero. Temos de lutar por uma
sociedade mais justa e equitativa, onde os indivíduos sejam livres de perseguir
os seus objetivos e sonhos sem medo de discriminação ou de normas sociais
limitadoras. É uma longa jornada, mas sinto-me encorajado pelo progresso que
fizemos até agora e pelos esforços contínuos de indivíduos e comunidades em
todo o mundo que estão a trabalhar para um futuro mais igualitário e justo.
Todo
dia até cansar
E
eis que de repente ela resolve então mudar
Vira
a mesa, assume o jogo
Faz
questão de se cuidar
Nem
serva, nem objeto
Já
não quer ser o Outro
Hoje
ela é Um também
Desse modo, atingimos o famoso conceito de
desconstrução. A música superou os costumes da sociedade que a limitavam e
impediam de alcançar seus objetivos, tornando-se dona de si mesma. Estuda,
trabalha e gosta de conviver com os amigos, sem que a idade seja vista como um
obstáculo. Alcança a liberdade que todas as mulheres deveriam ter o direito de
almejar.
Através da transformação da personagem “Amélia” [9] ,assistimos
à evolução dos papéis tradicionais de gênero e das expectativas para as
mulheres. Como Mario Lago compôs na canção original, "Amélia" foi
inicialmente retratada como desprovida de qualquer sentido de interesse próprio
ou vaidade. Esta representação reflete o papel social limitado que se esperava
que as mulheres cumprissem no passado
“Amélia
não tinha a menor vaidade
Amélia
que era mulher de verdade
Amélia
que era mulher de verdade
Não
tinha a menor vaidade”. Mario Lago, 1942
No entanto, à medida que a personagem de
"Amélia" evolui para se tornar um símbolo de poder e independência,
vemos como as expectativas da sociedade mudaram para reconhecer e valorizar a
força e a capacidade de ação das mulheres. Quer seja a preparar delicadamente
uma refeição ou a tomar decisões com confiança enquanto concilia o trabalho e
os cuidados pessoais, "Amélia" representa a mulher moderna e com
poder que se recusa a ser condicionada por papéis ou expectativas de gênero
limitadores.
O que vemos em comum entre estes textos, para além
da simples discussão das experiências das mulheres, é a luta por uma vida
melhor e mais forte, cheia de amor, desde o amor-próprio ao amor romântico. A
mensagem de procurar a liberdade através da desconstrução e da quebra de clichês
e expectativas sociais serve como um lembrete de que, mesmo que não seja fácil
ou direto, é possível.
Nunca é demais sublinhar o poder da escrita feminina
para desafiar e quebrar os estereótipos de gênero. Através da literatura e da
música, as mulheres têm conseguido exprimir o seu "eu" autêntico e
desafiar as expectativas e normas da sociedade. As obras de autoras feministas
como Bell Hooks e Simone de Beauvoir, e a música de artistas como Pitty Leone,
têm sido fundamentais nesta luta. Chamaram a atenção para a desigualdade de
tratamento das mulheres e para a necessidade de quebrar os clichês de gênero
que há muito limitam o potencial das mulheres. Ao escrever e criar arte que
reflete as suas experiências e perspectivas, as mulheres são capazes de
desafiar e subverter os papéis tradicionais de gênero e exigir igualdade de
tratamento e representação. É através deste desafio e da quebra que podemos
criar uma sociedade mais inclusiva e acolhedora para todos.
Ler as obras destas mulheres foi verdadeiramente
inspirador e revelador para mim. Lembrou-me o poder da escrita e da arte para
desafiar os padrões e as normas de gênero, e a importância de dar voz àqueles
que foram historicamente marginalizados ou silenciados. Através da literatura
de autoras feministas, e da música, compreendi mais profundamente a luta
contínua pela igualdade de gênero e o papel fundamental que a expressão
criativa desempenha nesta luta.
Estas obras ensinaram-me a reconhecer os
estereótipos e preconceitos de gênero omnipresentes na nossa cultura e a
trabalhar no sentido de desafiar e quebrar estas normas na minha vida pessoal e
profissional. Também me recordaram a importância de amplificar as diversas
vozes e perspectivas, não só nas nossas representações artísticas, mas em todos
os aspectos da nossa sociedade.
Em síntese, a leitura das obras destas mulheres foi
um poderoso lembrete da luta contínua pela igualdade de gênero e do papel vital
que a expressão criativa pode desempenhar nesta luta. Estou grata a estas
mulheres pela sua coragem, força e perspicácia, e continuarei a aprender e a
inspirar-me no seu trabalho.
REFERÊNCIA
Análise “desconstruindo Amélia”, -
https://www.letras.mus.br/blog/desconstruindoamelia-analise/ acessado em
20/11/2023
Beauvoir, S. de (1949). O Segundo Sexo. Editora Nova
Fronteira. Acessado em 19/11/2023
Biografia Pitty Leone, disponível em
-https://www.ebiografia.com/pitty/ - acessado em 19/11/2023
ed. São Paulo: Cortez; 1993
Balzac,
H. de (2011). A mulher de trinta. Traduzida por Ellen Marriage. Edição Kindle.
Hooks, Bel. (1994). Ensinando a transgredir: A
educação como prática da liberdade. Editora Martins Fontes. Acessado em
19/11/2023
KOCH,
Ingedore G.Villaça. Argumentação e linguagem/Ingedore G. Villaça Koch. 3.
Letra Desconstruindo Amélia, disponível em
https://www.letras.mus.br/pitty/1524312/ acessado em 19/11/2023
United Nations. (n.d.).
Dia Internacional da Mulher. Recuperado em 7 de setembro de 2021, de
https://www.un.org/en/observances/womens-day/origins-history. Acessado em
21/11/2023
Woolf, V. (1938). Three Guineas. Hogarth Press.
¹
Graduanda em Letras pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, campus
Jequié.
² Estereótipos: é uma impressão fixa que pode resultar
da aparência, do vestuário, do comportamento, da cultura de uma pessoa, entre
outros fatores. É uma presunção sobre determinadas pessoas baseada em
generalizações de situações passadas, muitas vezes sem relação com o presente,
e por vezes sem compreender grupos sociais ou características individuais como
aparência, situação financeira, comportamento, sexualidade, etc.
[3] Estereótipos de
gênero: são crenças simplificadas e pré-determinadas sobre características e
papéis típicos atribuídos a homens e mulheres com base apenas no seu género.
Estas crenças são muitas vezes demasiado simplificadas e baseadas em normas
sociais, representações mediáticas e papéis tradicionais de género. Os
estereótipos de género podem ser prejudiciais, pois podem restringir as
escolhas, experiências e oportunidades dos indivíduos com base na sua
identidade de género e reforçar a desigualdade e a discriminação.
[4]
"Desconstruindo Amélia" é uma música da cantora/compositora de rock
brasileira Pitty. A música critica os papéis tradicionais de género atribuídos
às mulheres e as expectativas sociais colocadas sobre elas para que cumpram
constantemente os papéis de cuidadoras, educadoras e apoiantes, sem ter em
conta os seus próprios desejos e necessidades. A letra expressa a necessidade
de desafiar e quebrar esses papéis e estereótipos, permitindo que as mulheres
abracem sua complexidade e individualidade. A música tornou-se um sucesso no
Brasil e é considerada um hino feminista.
[5]Um dia mundial para celebrar as conquistas
sociais, económicas, culturais e políticas das mulheres e para sensibilizar
para a desigualdade entre os sexos e para a luta pelos direitos das mulheres em
todo o mundo.
[6]
O termo "multitarefas" é frequentemente utilizado para descrever os
papéis e as responsabilidades que as mulheres assumem frequentemente no seio da
família e do agregado familiar, equilibrando várias tarefas ao mesmo tempo,
como cozinhar, limpar, cuidar dos filhos e trabalhar fora de casa. No entanto,
este termo também tem sido criticado por sugerir que as mulheres devem ser
responsáveis pela realização de múltiplas tarefas em simultâneo sem o devido
apoio ou reconhecimento.
[7]O empoderamento das mulheres refere-se
ao processo de proporcionar às mulheres as ferramentas, os recursos e as
oportunidades necessárias para alcançarem a igualdade de género e realizarem o
seu potencial. Isto inclui o acesso à educação, aos cuidados de saúde, à
igualdade de remuneração e a posições de poder e influência em todas as áreas
da sociedade. O empoderamento tem tudo a ver com a criação de um mundo onde as
mulheres são capazes de perseguir os seus objetivos e sonhos sem medo de
discriminação ou limitações baseadas no seu gênero.
[8]"A Mulher de Trinta",
de Honoré de Balzac, é um romance que explora as expectativas e os preconceitos
da sociedade em relação às mulheres do século XIX. A história segue a vida de
Julie, uma mulher de 32 anos que é considerada fora de moda e já não é
desejável. Através das experiências de Julie, o romance critica os papéis
estreitos e limitadores atribuídos às mulheres na sociedade e questiona o valor
atribuído às mulheres com base apenas na sua idade e beleza.
[9]"Amélia" é um clássico
do samba brasileiro composto por Mario Lago na década de 1940. A canção conta a
história de uma mulher chamada Amélia, que é descrita como uma esposa dedicada
e cuidadora de sua casa. A letra retrata Amélia como altruísta e desprovida de
qualquer sentimento de interesse próprio ou vaidade, refletindo as expectativas
sociais colocadas sobre as mulheres naquela época. Embora a canção tenha sido
criticada por seu retrato das mulheres, ela permaneceu uma canção popular e
duradoura na história da música popular brasileira.